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Memória indígena em Coração de Jesus

Comemoramos no dia 19 de Abril o Dia do Índio. De maneira errônea são feitas apresentações imitativas das vida e da pessoa indígena, especialmente nas escolas, e as mídias ficam abarrotados de fotos e mensagens aos povos indígenas, cujos grupos ainda existentes estão, em maioria, vivendo em pequenas tribos numa luta constante pela sobrevivência. Quem tirou um tempo para observar as publicações nas várias mídias neste dia 19 de Abril de 2021, percebeu a quantidade de mensagens, nas quais figuram, na maioria, imagens masculinas, como se não houve mulher indígena. Não basta a forma distorcida de se lembrar, ou fazer, referências aos povos indígenas no Brasil, em tais lembranças ou referências, suprime-se, na maioria delas, a figura feminina.

Toda esta problemática expressa o quão distante estamos do trato adequado aos povos indígenas. Nesta matéria de hoje, a SMCT de Coração de Jesus pretende apresentar um pouco da história dos povos indígenas frente à colonização do Norte de Minas Gerais, com enfoque para Coração de Jesus, e um pouco de sua produção artística, aquela que se pode comprovar no momento.

A colonização da região do Norte de Minas deu-se durante o século XVIII. Já antes de 1777, existia um povoado no local onde hoje se encontra a Cidade de Coração de Jesus, na época denominado Arraial Sagrado Coração de Jesus. No entanto, a história de colonização desta região não trouxe louros para os povos originário daqui, ao contrário, trouxe escravização e, posteriormente, completa dizimação. Esta verdade é tão crua que não existe nenhum povo indígena vivendo na região atualmente. Há que se dizer que a guerra movida contra os índios no século XIX, por todas as Minas Gerais foi, sem sombra de dúvidas, uma guerra étnica. Travestida de progresso civilizatório, aquela guerra pode ser entendida como extermínio dos povos indígenas que resistiam ao avanço impiedoso sobre suas terras, tomadas pelos colonizadores em busca de novos territórios com objetivos econômicos. O ápice da guerra colocou posseiros e soldados contra os povos indígenas, e entre 1760 e 1808, foram oficializados pelo menos 85 conflitos, que exterminou a maior parte dos povos indígenas no Estado de Minas Gerais. Os anos mais críticos foram os de 1765 a 1769. Dos mais de 100 grupos indígenas existentes na região da Capitania de Minas na época da colonização, hoje restam apenas 12 etnias, espalhadas em 17 territórios diferentes, sendo elas: Maxakali, Xakriabá, Krenak, Aranã, Mukuriñ, Pataxó, Pataxó hã-hã-hãe, Catu-Awá-Arachás, Caxixó, Puris, Xukuru-Kariri e Pankararu, todas do tronco linguístico Macro-Jê, com aproximadamente 11.000 indivíduos. Dentre esses grupos, as etnias Pataxó, Pataxó hã-hã-hãe, Xukuru-Kariri e Pankararu são oriundas de estados do nordeste, que adentraram a região no século XX, fugindo de vários empreendimentos em seus estados de origem, como construção de hidrelétricas, seca, conflitos pela terra entre outros.

O extermínio dos povos indígenas deu-se por mais de uma forma: a escravização, por contaminação através de doenças trazidas pelos colonizados, conflitos armados etc. Os índios escravizados eram denominados “Carijós” pelos colonizadores, termo que passou para a história como definição de etnia.

Dos povos indígenas que viviam no território onde hoje é o município de Coração de Jesus e adjacências, não restou nenhum. Também não se sabe bem quais eram e em que tempo foram definitivamente extintos. O fato é que não há nenhuma etnia vivendo nesta região atualmente. No entanto, os traços desses povos são muito visíveis nos instrumentos de sua produção encontrados em mais de um local no município e municípios vizinhos. Material lítico, do período da pedra polida, foi retirado em abundância das regiões da Fazenda Faveira. Nesse material são identificados machadinhas, pedras com marcações (contagem do tempo ou de outras coisas), pente de osso, pedra de enfeite, mãos de pilar, pedras de partir castanhas entre outros diversos. Mais recentemente, foi encontrado um sítio arqueológico no Município de São João do Pacuí com materiais que remetem à era da pedra lascada, como pontas de flechas, pedras lascadas com usos diversificados entre outros. Foram encontrados também na região outros materiais de pedras coloridas não próprios da região, o que pode levar a acreditar que existiu, em algum período, uma troca de objetos entre os povos daqui e outros de outras regiões.

Sendo Coração de Jesus uma terra de muitas grutas e cavernas, é de se esperar que algum material fosse encontrado no interior das mesmas, que remetesse à história desses povos. Dentro de uma dessas cavernas foi encontrada uma urna funerária, contento um esqueleto humano e restos de flores e folhas. Esta urna funerária, em formato de ânfora, encontra-se no Museu da Fundação Cultural José Alves de Macedo. Em outra caverna foi encontrada arte rupestre de período ainda não identificado. São figuras brancas no teto e paredes da caverna, feitas com o peito da mão, nas quais pode-se identificar formas de animais e marcações temporais. Levando em consideração a forma das pinturas, se comparadas com a arte de outra regiões de Minas Gerais, como as do Vale do Peruaçu, cujos traços são mais finos e mais coloridas, datadas de aproximadamente 10 mil a 12 mil anos atrás, pode-se inferir que a arte de Coração de Jesus seja mais antiga, pelo seu formato, coloração e traços. No entanto, essas são conjecturas que só poderão ser comprovadas após um estudo adequado.

Há que se fazer, ainda, um estudo aprofundado sobre os povos indígenas que ocuparam o território de Coração de Jesus e região, buscando definir suas etnias, sua história, resgatar sua memória, mesmo que tardia. Sendo realizada uma pesquisa e exploração adequadas dos sítios arqueológicos de origem indígena existentes em Coração de Jesus, pode-se realizar um grande resgate das várias culturas que existiram na região, além de possibilitar a construção de um grande memorial indígena no município. Nada disso irá apagar a história de crueldade sofrida por esses povos, mas é o mínimo de respeito à sua memória e história, possibilitando às atuais e futuras gerações prestarem o reconhecimento e o respeito merecidos por cada grupo indígena que aqui viveu e aos que vivem em todo o território da Amárica.

Em termos de produção artística, a princípio esses são alguns dos dados dos quais o município dispõe, mas um estudo mais aprofundado e uma busca mais direcionada, revelarão, mesmo que de modo não definitivo, uma produção mais ampla, algo que a SMCT se propõe a fazer futuramente.


As fotografias de material lítico desta publicação foram feitas por Bira Macedo e estão publicadas na página da Fundação Cultural José Alves de Macedo, no Facebook. As demais fotografias foram feitas pelo Viagem Kombinada.




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